segunda-feira, 15 de novembro de 2010

A Questão Racial na Bahia

Não basta que todo racista responda a um processo penal. Acabar com a desigualdade vai além de leis que condenem a discriminação racial. Prova disso é o que tem ocorrido na Bahia em relação aos crimes dessa natureza. Das 1.640 denúncias recebidas pelo Disque Racismo desde 1999, 66% tratam de crimes de injúria.

No entanto, a falta de recursos dos afrodescendentes para contratar um advogado e levar os processos adiante favorece a impunidade. Caso seja aprovado pelo Congresso Nacional, o projeto de lei 3198/00, que cria o Estatuto da Igualdade Racial, promete dar mais força às ações em favor dos afrodescendentes. Ontem, o shopping Iguatemi foi palco de mais um protesto contra a discriminação racial.

O motivo do protesto de ontem no shopping é antigo - não há funcionários negros nas lojas do Iguatemi, especialmente as do terceiro piso. O assunto tem sido debatido no Ministério Público do Trabalho, em um procedimento que também averigua a presença de negros em outros três grandes shoppings da capital. O Dia Internacional de Luta contra o Racismo, comemorado no domingo, levou à retomada de discussões sobre o tema.

"O estatuto é um marco normativo legal para nacionalizar as políticas de ação afirmativa", entende o professor e advogado Samuel Vida, coordenador do Fórum de Entidades Negras da Bahia. Vida integrou a comissão responsável por apresentar o substitutivo ao projeto de lei original do deputado Paulo Paim.
Com o estatuto, os crimes de injúria racista passariam a ser acompanhados obrigatoriamente pelo Ministério Público. A mudança é positiva na opinião do promotor Lidivaldo Brito, da promotoria de Combate ao Racismo do Ministério Público Estadual, porque legitima a atuação do MP nesses casos. Segundo o advogado Wilson Santos, coordenador da assessoria jurídica do Disque Racismo, a impunidade é causada principalmente pela prescrição do crime após seis meses e pela lentidão dos inquéritos policiais.



Hoje, esse tipo de crime é considerado de direito privado, o que faz com que a vítima precise contratar um advogado. Sem dinheiro, muitos desistem de seguir adiante. Outros procuram a defensoria pública ou assessorias jurídicas gratuitas oferecidas por entidades como o Afro-Gabinete de Articulação Institucional e Jurídica (Aganju), coordenado por Samuel Vida, que acompanha 50 processos no momento. A reparação das conseqüências dos crimes raciais do passado, através da ação afirmativa, seria mais importante para a garantia de direitos e condições iguais no futuro.

Políticas públicas de ação afirmativa
O estatuto promove, entre outros pontos, políticas públicas de ação afirmativa, como cota mínima de 20% para a presença de negros nos cursos de graduação das universidades federais, contratos do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies) e no funcionalismo público de todos os níveis de governo. O critério para definição da afrodescendência é a autodeclaração. No momento, o projeto está na mesa do presidente da República, que poderá editá-lo em forma de Medida Provisória.
"O Estatuto é uma conquista, mas é apenas um instrumento", afirma Hipólito de Brito, do Disque Racismo. Para o Movimento Negro Unificado (MNU), ainda falta garantir orçamento para a implantação das políticas públicas propostas no Estatuto. As verbas viriam do Fundo de Reparação. "Queremos que no dia seguinte à implantação da lei exista orçamento para colocá-la na rua, em prática", explica um dos militantes, Antônio Cosme.

Se aprovado, o estatuto garante a presença de negros em 20% do elenco das produções televisivas, incluindo filmes, novelas, anúncios publicitários e demais programas. Para Ras-Irineu Santos, da Associação União Rastafari, a obrigatoriedade tem um caráter negativo. "Quando precisa de uma lei para acontecer, não é bom; bom seria se acontecesse naturalmente", diz. "Se ficar no papel, é só mais uma lei.

Mas se for concretizado, será um ganho muito grande para uma sociedade acostumada a ver o negro como massa de manobra, usado e jogado fora com o papel higiênico ou absorvente, sendo chamado de `a cor do pecado`, como nessa novela das 19h", define o ator Giovani Silva, do grupo Choque Cultural.

Ontem, a presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, Creuza Maria Oliveira, foi empossada no Conselho Nacional de Promoção de Igualdade Racial (CNPIR). "Nossa cidade estará muito bem representada no conselho com a figura da Creuza, principalmente por ser mulher e receber uma overdose de discriminação. Ela é uma militante exemplar de uma categoria discriminada, que hoje é muito respeitada", afirma a secretária municipal de Reparação, Arany Santana.

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